sábado, 24 de julho de 2021

As crianças que moram nos livros (1)

Na literatura de potencial receção leitora infantil encontramos, vastas vezes, a criança como protagonista, ora como narrador personagem, ora como personagem principal... 

Num ano particularmente dedicado à criança, pelas comemorações em torno do Ano Internacional para a eliminação do Trabalho Infantil, fomos em busca de (mais) crianças que moram nos livros (pois já AQUI havíamos falado sobre as Representações da Infância na Literatura).


Selecionamos para este mês, que conta já com muitas famílias de férias, quatro títulos de autoria internacional, chegados até nós bem recentemente, entre 2020 e 2021, pelas editoras Fábula, Presença, Kalandraka e Orfeu Negro. Convidamos, então, os nossos leitores (grandes e pequenos) a conhecer Vera, Jaime, Rosalie, e uma outra criança, cujo nome não é revelado, que nos brinda com uma carta (de amor) maravilhosa!

capa e paratexto final de Se algum dia vieres à Terra, de Sophie Blackall

Sophie Blackall, cuja obra chegou ao nosso país em 2020, com Olá Farol (de que falamos aqui), volta a encantar os leitores portugueses com este maravilhoso trabalho, publicado em março deste ano pela Fábula: Se algum dia vieres à Terra
Como a própria autora nos conta, num interessante paratexto que podemos encontrar na última página da obra (ver imagem acima), 

"A Ideia deste livro surgiu no cume de uma montanha dos Himalaias, no Butão. Eu estava a trabalhar com a organização Save the Children e tinha escalado um caminho em ziguezague para visitar uma pequena escola com apenas duas salas e dez alunos." (...)

pormenor do miolo de Se algum dia vieres à Terra, de Sophie Blackall

Só a introdução a este texto "explicativo" já nos oferece uma interessante reflexão sobre a importância dos nossos gestos, independentemente do número de pessoas que por eles possam ser tocadas, pois, na verdade, deste "pequeno gesto" nasceu esta grande obra, que é, como dizíamos, uma maravilhosa carta de amor à nossa Casa. Uma carta que pode chegar a todos os habitantes que partilham este planeta:

"Nós, os seres humanos, definimo-nos através do sítio onde nascemos, onde vivemos, daquilo em que acreditamos, das roupas que vestimos e das línguas que falamos. Mas não existe uma pessoa «típica». Somos todos diferentes. No entanto, há algo que todos partilhamos - o planeta em que vivemos."

Ao longo de sete dezenas de belíssimas páginas, profusamente ilustradas, e pela voz (ou pela pena) da criança narradora, que escreve esta bela carta (de amor) destinada ao "Querido visitante do espaço sideral", somos convidados, numa espécie de visita guiada à Casa, a conhecer (ou a recordar?) a beleza do mundo, em todas as suas dimensões. 
Trata-se, sem dúvida, de uma das melhores obras para conhecer a Agenda 2030 e para pôr em prática a máxima "Conhecer para Amar".

pormenor do miolo de Se algum dia vieres à Terra, de Sophie Blackall

Num livro com um título algo intrigante mora Vera, a menina que protagoniza a obra de Marina Núñez e Avi Ofer, Caça-Olhares, um trabalho belíssimo, publicado pela kalandraka, em 2020.
Preocupada com o facto de ninguém olhar senão para um certo dispositivo que todos seguram na mão, em frente aos olhos, Vera decide ir à caça de olhares...

Capa, guardas e pormenores do miolo de Caça-Olhares, de Marina Núñez e Avi Ofer


Mas Vera não é bem sucedida na sua missão, pois, à exceção de uma ou outra criança, a quem consegue caçar um olhar cúmplice, os olhares dos adultos não se voltam para ela: nem fora de casa, nem na própria casa! (imagem acima).
"Se os adultos não observam nem contemplam as coisas maravilhosas que há no mundo, como poderei eu fazer com que olhem para mim?", questiona-se a menina, desiludida...

Até que um dia, Vera decide procurar ajuda junto da avó Guida, pois

"A avó tem sempre olhares para ela, mesmo que diga que já não vê lá muito bem. Escuta todas as histórias, mesmo que diga que já não ouve como dantes. E nunca tem pressa, nem mil e uma coisas para fazer."

Será Vera bem sucedida, desta vez?
 
pormenor do miolo de Caça-Olhares, de Marina Núñez e Avi Ofer


Peter Reynolds, autor da famosa obra O Ponto, dá-nos a conhecer Jaime, a criança que mora no livro O Menino que colecionava palavras, publicado em 2020, pela Presença. Uma obra que nos revela um especial poder: o poder transformador das palavras (como podemos ler na contracapa).

pormenor do miolo, capa e guarda final de O Menino que colecionava Palavras, de Peter Reynolds

Jaime tinha um gosto particular no que respeita a coleções. Não colecionava cromos, nem selos, nem moedas... e nem olhares (como Vera). Jaime colecionava PALAVRAS, que ouvia, que via, que lia. PALAVRAS breves e doces, palavras bonitas e palavras polissílabas, "que soavam como pequenas canções". Jaime encheu muitos cadernos com as suas coleções...
Mas um dia... "ao transportá-las... Jaime escorregou e as palavras voaram."
O que será que vai fazer este colecionador especial?...

pormenor do miolo de O Menino que colecionava Palavras, de Peter Reynolds

E, por último, trazemos Rosalie, uma menina muito especial que mora num pequeno grande livro, escrito por Timothée de Fombelle e ilustrado por Isabelle Arsenaut, Capitão Rosalie, que chegou até nós em 2020, pela Orfeu Negro.

A menina que mora neste livro, tal como Vera, também tem uma missão... mas bem diferente. 
"Tenho um segredo
Na escola, todos pensam que estou a sonhar
Mas eu sou um soldado em missão. Capitão Rosalie."

miolo de Capitão Rosalie, de Timothée de Fombelle e Isabelle Arsenaut 

Estamos em 1917. Rosalie, a narradora, é uma menina de cinco anos, que vive com a mãe porque o pai está na guerra.

"Não tenho qualquer memória para lá da guerra. Era muito pequenina antes de ela começar. E vejo bem que a minha mãe continua a ler ainda durante muito tempo, apesar de só haver uma única página escrita no envelope.”

Curiosa (e não convencida) sobre o conteúdo das cartas que a mãe lhe lê, Rosalie decide empreender a missão que a ajudará a descobrir a verdade por que tanto anseia.

"Olho de novo para o quadro. Pela primeira vez tudo se torna claro. Como se uma neblina se evaporasse subitamente das coisas. A minha missão está quase terminada. Não devo esperar mais.”

miolo de Capitão Rosalie, de Timothée de Fombelle e Isabelle Arsenaut 

Trata-se de um dos mais belos trabalhos que conhecemos dentro da temática bélica. Um texto forte, que não deixa nenhum leitor indiferente.

Entre palavras e olhares, desejamos a todos uns dias de descanso de muita cumplicidade (os livros dão uma ajuda).



A todos, boas leituras!

[LMB]

Sem comentários:

Enviar um comentário