quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

O Natal dos (novos) livros

A magia do Natal pode manifestar-se de diferentes maneiras. Há um ano partilhávamos, através do nosso Calendário de Leituras de Advento, diferentes imaginários e representações do Natal na literatura para a infância (e não só).

(Podem revisitar o Calendário, com as 24 sugestões compiladas, AQUI).

Este ano, trazemos duas novidades, dois livros editados, em Portugal, no último trimestre de 2021: O Natal da Tia Josefina, de Michael Engler e Martina Matos e Floco de Neve, de Benji Davies.

Ambas as obras têm como cenário o Inverno e a Cidade. O Natal da Tia Josefina é protagonizado por uma humilde família de ratinhos que recebe, inesperadamente, a notícia da visita da tia Josefina, uma famosa assobiadora que há muito havia emigrado para a América e que tinha fama de ser alguém a quem era difícil agradar.

A família Ratatovsky não sabe como resolver o problema, uma vez que a falta de dinheiro não lhes permite nem viajar no Natal nem fazer uma festa à medida da Tia Josefina. 

Contracapa e pormenores do miolo de O Natal da Tia Josefina

Não conformadas com a situação, as crianças Ratatovsky, Gaspar e Felícia, decidem procurar ajuda. 

Acompanhamos, então, através das belíssimas ilustrações desta obra, a viagem dos dois irmãos pelos diferentes espaços comerciais da cidade e somos invadidos por um misto de nostalgia e de indignação, ao mesmo tempo que nos congratulamos com o inesperado êxito da missão.

Pormenores do miolo de O Natal da Tia Josefina

Talvez não estejamos preparados, contudo, para o surpreendente desfecho da narrativa...

Trata-se de um excelente livro para nos interrogarmos e interrogarmos o mundo.

Pormenores do miolo de O Floco de Neve

Em O Floco de Neve, o autor retoma um dos tópicos presentes noutras obras suas, a estreita relação entre os avós e os netos (falamos de outra obra do autor AQUI), cruzando-o com a primeira viagem de um tímido floco de neve.

À semelhança da obra anterior, percorremos as ruas da cidade pela mão de Noëlle e do seu avô, admiramos as lojas e as ruas iluminadas e partilhamos do desejo da menina: ter uma árvore de Natal tão bonita como a da montra.

Pormenores do miolo de O Floco de Neve

"Talvez para o  ano" é a resposta do avô. Noëlle recolhe então um pequeno ramo que encontra junto ao passeio e, em casa com a ajuda do avô, decora-o e coloca a pequena árvore à janela. Entretanto, o nosso tímido floco de neve experimenta a sensação de ser empurrado pelo vento, de ver a cidade iluminada e de não saber onde irá cair...
Na contracapa, o autor revela que se trata de "uma história sobre a magia dos encontros inesperados"... Que surpresa estará reservada a Noëlle?

Duas obras ternurentas que levam o Natal mais além, apresentando ao leitor interessantes pistas de reflexão.

Desejamos a todos vocês, que desse lado também acreditam que o Natal (assim como a vida) é melhor com livros, um doce e aconchegante Natal. 
Por cá, já sabem, entrem que estamos abertos!



Feliz Natal e felizes leituras!

(Outras sugestões de leituras de Natal: AQUI.)




quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Criações de Outono ou uma Fábrica de Histórias

A culpa foi (toda) do cogumelo...

E também das folhas que começavam a atapetar o chão com as cores douradas do outono... 

E do coelho e do gnomo...

(E os livros também foram cúmplices)

E, assim como quem brinca, abrimos uma fábrica de histórias (por culpa do cogumelo).


O desafio foi lançado em meados de novembro nas nossas páginas de facebook e de instagram. Como se de um puzzle se tratasse, a cada dia fomos oferecendo uma peça para criar narrativas. A Fábrica de Histórias estava, oficialmente, aberta.




E, como prometido, divulgamos os trabalhos.

A Biblioteca Especial é uma história saída desta fábrica, da autoria de seis crianças, que contou no "comando das máquinas" com a voluntária da leitura Marília Malheiro, uma mãe ELF e uma grande entusiasta dos livros, das histórias e da leitura. Uma criadora de mundos e uma fazedora de sonhos. 

A Marília contou-nos como foi:

"Sugeri ao grupo a construção de uma história a partir de imagens. Adoraram a ideia. (...)

Eles analisaram tão bem cada imagem, que viram coisas que a mim não me pareciam assim tão importantes, como por exemplo, o título dos livros que apareciam em cada imagem. Daí, termos chegado à história do Coelhinho branco…

A última imagem foi a que gerou mais controvérsia.  Uns diziam que o gato era o monstro que vinha e matava as personagens e acabava com tudo, outros diziam que o gato era bom e amigo. Por isso tivemos que arranjar uma forma de dar a volta à situação."

Voluntários da Leitura na EB de Trovela

E assim nasceu A Biblioteca Especial, um lugar habitado pelo Elfo Guilherme e pelo Coelho Celestino, que vão descobrir um poder especial, uma história que podem conhecer na íntegra na nossa salinha dos Trabalhos.

Até ao final do outono, podem ainda fazer-nos chegar as vossas criações. Temos uma bela surpresa para a história mais original!



terça-feira, 23 de novembro de 2021

Calendário de Leituras de Advento: mais uma Distinção Escola Amiga da Criança

Foi a nossa companhia durante o mês de dezembro de 2020, a caminho do Natal: um caminho feito de livros, que encheu as casas dos nossos pequenos (e grandes) leitores de sorrisos, de música, de sonhos... e até de rabanadas.

Este original Calendário de Advento acaba de receber a Distinção Escola Amiga da Criança (4ª edição), na categoria Literacias. E o momento convida a que o revisitemos...



Ao longo de 24 dias, apresentamos, ao ritmo de uma por dia, 24 obras literárias sobre o Natal, representativas de diferentes autores, ilustradores, géneros literários e épocas, do panorama nacional e internacional, acompanhadas de sugestões de atividades para realizar em família ao longo do mês.

Obra que espreitou da Janela 3 do nosso Calendário

As sugestões de atividades contemplavam diferentes domínios: leitura, escrita, línguas estrangeiras, cinema, cultura, património e tradições, etnografia, gastronomia, cruzando múltiplas literacias, e traduziram-se em belíssimos e diversificados trabalhos, que podem ser apreciados AQUI

Exemplo de trabalho de escrita realizado com base nas propostas
 da Janela 19 (Dezembro à Porta)

Num total de 24 sugestões de leitura e de 60 propostas de atividade, pais e filhos tiveram oportunidade de experimentar um leque diversificado de atividades, que, além de um conhecimento sobre as representações do Natal na Literatura para a Infância, contribuíram para um significativo alargamento de práticas de literacia familiar.

Exemplo de trabalho realizado de expressão plástica com base na obra Allumette, que espreitava da Janela 22

A expressiva adesão a este calendário é reveladora do impacto que as atividades em torno do livro e da leitura podem ter em ambiente familiar. Este calendário fez a diferença na vida das famílias que experimentaram as nossas sugestões, tendo contribuído para criar memórias felizes onde o livro, os cenários e as personagens que o habitam passaram a ter um lugar afetivo. 

Sugestão de leitura para o dia 24 de dezembro, acompanhada de excerto lido pelo autor, António Mota


Aqui fica, então, em jeito de visita guiada, o roteiro pelas 24 janelas do nosso Calendário de leituras de Avento:


E, também, para recordar,
Outras distinções Escola Amiga da Criança para iniciativas no âmbito da Educação Literária na Família:



Trabalho realizado a partir das propostas da janela 20, A Festa dos Pastores. Os trabalhos realizados podem ser conhecidos AQUI

 
Inspirem-se! Qualquer motivo é bom para ler, e esta quadra é especialmente propícia (é que os livros de Natal são particularmente bonitos;)

Até já!

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Livros e Literacia Familiar: uma nova valência do programa ELF

Inaugurada no mês internacional das bibliotecas escolares 2021, Livros e Literacia Familiar é uma nova valência do Programa Educação Literária na Família (ELF) que tem como principais destinatários os pais das crianças da Educação-Pré-Escolar, e como principal objetivo ajudar as famílias a tirar mais proveito de materiais impressos, sobretudo do livro, no sentido de predispor a criança para a aprendizagem da leitura e da escrita, e para o gosto pelo saber.


Criamos, para o efeito, uma página específica de apoio a esta nova valência, onde poderão ser encontradas informações sobre o funcionamento do projeto, assim como dicas e materiais de apoio que partilhamos nas sessões.
No menu Páginas, encontrarão agora, também, Literacia Familiar, uma salinha muito acolhedora que espera por todos vós!
Boas leituras e até já!

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Como tomar conta de um Capuchinho Vermelho | Especial Regresso às Aulas

Ainda que o outono se possa começar a anunciar, setembro cheira sempre a novo! São cadernos novos, livros novos, amigos novos, professores novos, e também, naturalmente, histórias novas!

Imagem 1: levanta-se o véu de Como tomar conta de um Capuchinho Vermelho


Não raro, aparecem pedidos de sugestões de livros sobre questões inerentes à entrada para a escola ou ao regresso às aulas, como o medo, a amizade, a integração, etc... Quem nos acompanha, sabe que somos um bocadinho "avessos" a "livros para...", uma vez que consideramos que um bom livro será sempre "bom para...": para alimentar o imaginário, a dimensão humana e a essência leitora de cada um, para nos fazer pensar e para nos fazer felizes (falamos destas questões AQUI e AQUI). 

A questão que consideramos verdadeiramente fulcral é que a leitura de bons livros faça parte das rotinas diárias de todas as salas de aula e de atividades, e de todos os lares, e que gere momentos felizes. Que pais e professores não deixem de ler aos seus filhos / alunos, só porque chegaram ao 1º ano (assunto de que falávamos há um ano por esta altura em Vou para a escola, vou aprender a ler), e que a riqueza e diversidade da atual produção literária para a infância chegue, efetivamente, ao seu destinatário.

Imagem 2: dois exemplos de textos que respeitam as versões "originais" do conto popular Capuchinho Vermelho. Com base no texto de Charles Perrault, Le Petit Chaperon Rouge, ilustrado por Christian Roux (texto em língua francesa); Com base no texto dos Irmãos Grimm, um livro que se apresenta em três línguas (português, francês e inglês), versão portuguesa de Eugénio Roda e ilustrações de Hassan Ameikan.


Como tomar conta de um Capuchinho Vermelho, título que escolhemos para esta "rentrée", é uma ideia da autoria de um pequeno (mas voraz) leitor, de apenas três anos, o Lourenço, que, em resposta à banalíssima pergunta "Que história leste ontem?", respondeu prontamente: "Como tomar conta de um Capuchinho Vermelho".

Imagem 3: pormenor do miolo de Le petit chaperon rouge (versão de Charles Perrault)

Este inusitado "título" resultou da junção de três outros títulos, O Capuchinho Vermelho (que chegou à Biblioteca do Lourenço no seu sexto mês), Como tomar conta de uma avó e Como tomar conta de um avô, de Jean Reagan, que este pequeno leitor havia recebido no dia dos avós.

Ficamos a pensar que este (novo) título dava, efetivamente, uma(s) boa(s) história(s)... e, decidimos, então, transformá-lo num conjunto de ideias para este regresso às aulas.

Partindo do conto popular mais emblemático de todos os tempos, o Capuchinho Vermelho, que deverá ser do conhecimento da grande maioria das crianças, e, portanto, um elo unificador, podemos enveredar por distintas explorações em torno da questão "Como tomar conta de um Capuchinho Vermelho?" Aqui ficam algumas.

Imagem 4: conjunto de reescritas atuais de O Capuchinho Vermelho


Ideia 1

Esta atividade pode ser feita de forma simples, em jeito de conversa onde as crianças vão apresentando ideias e sugestões para "tomar conta do Capuchinho", ao jeito da autora de Como tomar conta de uma avó (como seria passar um dia com o Capuchinho Vermelho), ou livremente. As ideias podem ser representadas em desenho ou escritas (por exemplo em post-its), que depois poderão dar origem a um original painel.

(Na imagem 2 estão dois exemplos de textos que respeitam as versões "originais" do conto popular, tendo por base os textos de Charles Perrault - séc. XVII, e dos Irmãos Grimm- séc. XIX).

Ideia 2

Com crianças mais velhas, podemos transformar a atividade num diálogo reflexivo sobre questões como: 

- Por que motivo precisa o Capuchinho Vermelho que alguém tome conta de si?

- O que é preciso vigiar?

- Será uma missão perigosa? 

- Será um trabalho divertido? 

- Por que devo (ou não) fazê-lo?  

- O que posso ganhar com isso?

Ideia 3

Associando este emblemático conto, e cruzando, por exemplo, algumas das suas reescritas, poderá ser divertido imaginar e criar Uma escola para Capuchinhos Vermelhos, que poderá, depois, ser transformada numa bela maquete.

- Onde se localizaria esta escola? 

- Como seria o espaço? As salas, a biblioteca, a cantina... a decoração?

- Que matérias / disciplinas se aprenderiam nessa escola?

- Quem seriam os professores?

- Quais seriam os jogos de recreio?

- Onde seriam as visitas de estudo?

- (...)

(Na imagem 4 encontram-se alguns títulos de reescritas atuais do conto O Capuchinho Vermelho, que poderão servir de base à atividade)

Ideia 4

Partindo do contexto que gerou esta atividade, poderão ser criados outros títulos, que incluam o Capuchinho Vermelho e outras histórias conhecidas das crianças. No caso de o repertório de obras não ser muito vasto, poderá ser feita uma seleção prévia de livros). Poderão surgir títulos como "Adivinha quanto eu gosto do Capuchinho Vermelho" (cruzando com o título Adivinha quanto eu gosto de ti), "Papá, por favor, apanha-me o Capuchinho Vermelho" (cruzando com Papá, por favor, apanha-me a lua), "Capuchinho Vermelho das Meias Altas" (cruzando com o clássico Pippi das Meias Altas), etc. 

Imagem 5: três obras para trabalhar questões de estereótipos. Por que razão o lobo é sempre o vilão? Terá mesmo de ser assim? (Uma ideia para uma outra versão da atividade: "Como tomar conta e um lobo?")

Para que não faltem ideias para preparar um ano de boas e diversificadas leituras, em casa com a família, ou na escola, deixamos ainda, para este especial regresso às aulas, dez seleções de obras, organizadas por temas, que poderão integrar as vossas escolhas. 

Livros para uma Pedagogia da Felicidade (1)

Livros para uma Pedagogia da Felicidade (2)

Representações da Criança na Literatura para a Infância 

As crianças que moram nos livros

Ritmos e ciclos da Natureza: Primavera de Livros

Ritmos e ciclos da Natureza: Representações do verão na Literatura para a Infância

Ritmos e ciclos da Natureza: Livros e ideias para celebrar o outono 

Natal: Calendário de Leituras do Advento

Família: Os avós das histórias e das memórias

Família: Que avós povoam a atual literatura para a infância?


A todos desejamos um bom ano letivo, repleto de boas leituras!

                                                                                            [LMB]

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Os avós das histórias (e das memórias)

Comemoramos hoje o Dia dos Avós, uma data à qual não poderíamos ficar indiferentes, tendo em conta o número crescente de (boas) publicações literárias destinadas à infância, onde os avós marcam presença.

Há um ano, neste dia, apresentávamos uma seleção intitulada Que avós povoam a atual literatura para a infância?, e descobríamos diferentes facetas destes entes tão queridos.

Desta vez, a nossa escolha recaiu sobre um conjunto de textos que enfatizam o papel dos avós na sua qualidade de guardiões da memória, e a importância de construir (e preservar) memórias, a melhor forma de perpetuar a sua presença (para sempre).


João Pedro Mésseder, na sua coletânea de poesia Versos quase Matemáticos apresenta-nos um pequeno poema, Avô e Avó, composto por duas quadras apenas, que bem poderia servir de mote para esta questão das histórias e das memórias...

Capa e pormenor do miolo da obra Versos quase matemáticos de João Pedro Mésseder e Catarina Fernandes

O reduzido texto verbal é, todavia, "compensado" pela interessante ilustração que o acompanha (imagem acima), e que, já agora, nos põe a pensar no título do livro... Ou, como explicamos esta sombra? 

Pormenor do miolo da obra Amores de Família, de Carla Maia de Almeida e Marta Monteiro

Na obra da dupla nacional Carla Maia de Almeida e Marta Monteiro, Amores de Família (de que já falamos AQUI e AQUI), moram a Avó Ceres e o Avô Júpiter (imagem acima). Dois avós que não deixam por mãos alheias a tarefa de ensinar aos netos aquelas coisas importantes, mas demoradas, que é importante aprender (quer seja para experimentar fazer coisas que levam tempo, quer seja para que um dia também possam ser ensinadas a outros netos), como "fazer compotas e conservas de frutas", "construir casinhas de madeira para os pássaros", "esperar que as sementes germinem", e aguardar pelo Natal (que devolve os filhos ao lar).

(Nota: nesta obra ainda podemos encontrar a Avó Proserpina, muitos pais, muitas mães, e um interessante ABC dos deuses que "explicará" o comportamento das  famílias que aqui moram...)

Pormenores das páginas de introdução a cada um dos textos, e última página da obra Pelo rio correm histórias, de Maria da Conceição Vicente e Rui Castro

Maria da Conceição Vicente dá vida a três histórias do património popular de Águeda, que se ligam entre si pela voz de um avô que as conta ao seu neto, uma opção reveladora da consciência da importância dos avós na transmissão dos diferentes legados, neste caso o legado cultural e etnográfico da terra.

Pelo rio correm histórias é um livro muito bonito, onde as ilustrações de Rui Castro desempenham um papel de aproximação ao pequeno leitor, uma espécie de convite a jogar (é impossível não virem à nossa mente imagens de peças de lego, ou do vídeojogo Minecratf). 

Afinal, a brincar também podemos contar histórias e apropriarmo-nos desta herança comum que é o imaginário popular.

Capa e pormenores do miolo de O Anjo da Guarda do Avô

Da incontornável autora de Quando a mãe grita, Jutta Bauer, o livro O Anjo da Guarda do Avô conta a história das visitas que o neto, narrador, fez ao avô no hospital, nos seus últimos dias. Começa assim:

"O meu avô gostava de contar histórias. Contava sempre alguma coisa quando eu ia visitá-lo. - «...meu rapaz, ninguém me segurava...»"

E assim começa uma viagem pela vida do avô, desde a infância, passando pela juventude e vida adulta, até à velhice. Uma vida preenchida com coisas boas e menos boas, onde convivem a traquinice e as zangas, o amor e a guerra, a alegria e a fome... entre outras dicotomias (na imagem acima podemos ver dois exemplos)..

Nesta obra, à semelhança do que acontece noutros (bons) trabalhos onde o diálogo texto verbal e texto icónico é particularmente bem conseguido, a ilustração desempenha um papel muito enriquecedor no que à ampliação de sentidos diz respeito. Atente-se, por exemplo, na presença do "Anjo da Guarda do Avô" que o acompanha desde a infância até à morte (que também se encontra apenas subentendida, pela presença de um "novo anjo" que passa a proteger o neto). 

A simplicidade do texto e a delicadeza das ilustrações fazem desta obra um trabalho extraordinário, altamente indutor de reflexão (e de conversa) em torno de questões que se afiguram, muitas vezes, difíceis.

Pormenor do miolo de Se o mundo inteiro fosse feito de memórias, de Joseph Coelho e Allison Colpoys 

Editado em Portugal em fevereiro de 2021, Se o mundo inteiro fosse feito de memórias, de Joseph Coelho e Allison Colpoys, é um dos mais recentes trabalhos literários onde figura a representação dos avós.

Pela voz da neta, a criança narradora, somos convidados a dar um passeio pelas quatro estações do ano, revisitando as memórias que a menina guarda do seu avô em cada estação. 

"se o mundo inteiro fosse a primavera, eu plantaria d novo os aniversários do meu avô, para que ele jamais envelhecesse"

Acompanhámo-la no momento da dor da perda do avô ("algumas histórias são silenciosas") e apoiámo-la na construção do seu caleidoscópio de memórias, pois o avô preparou-lhe um último presente...

"No cadeirão do meu avô está um caderno novo. O papel é de pétalas de primavera, cosido com fio vermelho-rubi. Tem o meu nome na capa. Está novinho e por estrear, e foi feito pelo meu avô."

Pormenor do miolo A última paragem, de Matt de la Peña e Christian Robinson

Como o próprio título indicia, A última paragem, de Matt de la Peña e Christian Robinson, concentra grande parte da sua ação no autocarro que Alex e a Avó apanham à saída da igreja até à Rua do Mercado (a última paragem):

Poderíamos concentrar-nos no destino e na missão que a avó levava, mas isso equivaleria a perdermos a viagem... uma viagem aparentemente simples, mas onde Alex, ajudado pelos sábios gestos da avó, irá descobrir beleza em lugares  inesperados... e aprender a alegria da generosidade.

"Quando saiu do autocarros, Alex olhou em volta. Passeios esburacados e portas partidas, janelas cheias de grafitis e portas fechadas. Deu a mão à avó.

- Porque é que esta zona está sempre tão suja?

Ela sorriu e apontou para o céu.

- Por vezes, quando estás rodeado de lixo, consegues ver melhor as coisas belas, Alex."

O humor que permeia o texto, a profundidade da mensagem e a beleza das ilustrações fazem deste livro um verdadeiro tesouro. Não terá sido, pois, por acaso que foi a obra vencedora da medalha Newbery e livro de honra Caldecot.


Desejamos a todos os nossos leitores, grandes e pequenos, avós e netos, pais e filhos, excelentes leituras em família, e um MUITO FELIZ DIA DOS AVÓS!

P.S. Poderão encontrar outras sugestões sobre este tema AQUI e AQUI.

[LMB]

sábado, 24 de julho de 2021

As crianças que moram nos livros (1)

Na literatura de potencial receção leitora infantil encontramos, vastas vezes, a criança como protagonista, ora como narrador personagem, ora como personagem principal... 

Num ano particularmente dedicado à criança, pelas comemorações em torno do Ano Internacional para a eliminação do Trabalho Infantil, fomos em busca de (mais) crianças que moram nos livros (pois já AQUI havíamos falado sobre as Representações da Infância na Literatura).


Selecionamos para este mês, que conta já com muitas famílias de férias, quatro títulos de autoria internacional, chegados até nós bem recentemente, entre 2020 e 2021, pelas editoras Fábula, Presença, Kalandraka e Orfeu Negro. Convidamos, então, os nossos leitores (grandes e pequenos) a conhecer Vera, Jaime, Rosalie, e uma outra criança, cujo nome não é revelado, que nos brinda com uma carta (de amor) maravilhosa!

capa e paratexto final de Se algum dia vieres à Terra, de Sophie Blackall

Sophie Blackall, cuja obra chegou ao nosso país em 2020, com Olá Farol (de que falamos aqui), volta a encantar os leitores portugueses com este maravilhoso trabalho, publicado em março deste ano pela Fábula: Se algum dia vieres à Terra
Como a própria autora nos conta, num interessante paratexto que podemos encontrar na última página da obra (ver imagem acima), 

"A Ideia deste livro surgiu no cume de uma montanha dos Himalaias, no Butão. Eu estava a trabalhar com a organização Save the Children e tinha escalado um caminho em ziguezague para visitar uma pequena escola com apenas duas salas e dez alunos." (...)

pormenor do miolo de Se algum dia vieres à Terra, de Sophie Blackall

Só a introdução a este texto "explicativo" já nos oferece uma interessante reflexão sobre a importância dos nossos gestos, independentemente do número de pessoas que por eles possam ser tocadas, pois, na verdade, deste "pequeno gesto" nasceu esta grande obra, que é, como dizíamos, uma maravilhosa carta de amor à nossa Casa. Uma carta que pode chegar a todos os habitantes que partilham este planeta:

"Nós, os seres humanos, definimo-nos através do sítio onde nascemos, onde vivemos, daquilo em que acreditamos, das roupas que vestimos e das línguas que falamos. Mas não existe uma pessoa «típica». Somos todos diferentes. No entanto, há algo que todos partilhamos - o planeta em que vivemos."

Ao longo de sete dezenas de belíssimas páginas, profusamente ilustradas, e pela voz (ou pela pena) da criança narradora, que escreve esta bela carta (de amor) destinada ao "Querido visitante do espaço sideral", somos convidados, numa espécie de visita guiada à Casa, a conhecer (ou a recordar?) a beleza do mundo, em todas as suas dimensões. 
Trata-se, sem dúvida, de uma das melhores obras para conhecer a Agenda 2030 e para pôr em prática a máxima "Conhecer para Amar".

pormenor do miolo de Se algum dia vieres à Terra, de Sophie Blackall

Num livro com um título algo intrigante mora Vera, a menina que protagoniza a obra de Marina Núñez e Avi Ofer, Caça-Olhares, um trabalho belíssimo, publicado pela kalandraka, em 2020.
Preocupada com o facto de ninguém olhar senão para um certo dispositivo que todos seguram na mão, em frente aos olhos, Vera decide ir à caça de olhares...

Capa, guardas e pormenores do miolo de Caça-Olhares, de Marina Núñez e Avi Ofer


Mas Vera não é bem sucedida na sua missão, pois, à exceção de uma ou outra criança, a quem consegue caçar um olhar cúmplice, os olhares dos adultos não se voltam para ela: nem fora de casa, nem na própria casa! (imagem acima).
"Se os adultos não observam nem contemplam as coisas maravilhosas que há no mundo, como poderei eu fazer com que olhem para mim?", questiona-se a menina, desiludida...

Até que um dia, Vera decide procurar ajuda junto da avó Guida, pois

"A avó tem sempre olhares para ela, mesmo que diga que já não vê lá muito bem. Escuta todas as histórias, mesmo que diga que já não ouve como dantes. E nunca tem pressa, nem mil e uma coisas para fazer."

Será Vera bem sucedida, desta vez?
 
pormenor do miolo de Caça-Olhares, de Marina Núñez e Avi Ofer


Peter Reynolds, autor da famosa obra O Ponto, dá-nos a conhecer Jaime, a criança que mora no livro O Menino que colecionava palavras, publicado em 2020, pela Presença. Uma obra que nos revela um especial poder: o poder transformador das palavras (como podemos ler na contracapa).

pormenor do miolo, capa e guarda final de O Menino que colecionava Palavras, de Peter Reynolds

Jaime tinha um gosto particular no que respeita a coleções. Não colecionava cromos, nem selos, nem moedas... e nem olhares (como Vera). Jaime colecionava PALAVRAS, que ouvia, que via, que lia. PALAVRAS breves e doces, palavras bonitas e palavras polissílabas, "que soavam como pequenas canções". Jaime encheu muitos cadernos com as suas coleções...
Mas um dia... "ao transportá-las... Jaime escorregou e as palavras voaram."
O que será que vai fazer este colecionador especial?...

pormenor do miolo de O Menino que colecionava Palavras, de Peter Reynolds

E, por último, trazemos Rosalie, uma menina muito especial que mora num pequeno grande livro, escrito por Timothée de Fombelle e ilustrado por Isabelle Arsenaut, Capitão Rosalie, que chegou até nós em 2020, pela Orfeu Negro.

A menina que mora neste livro, tal como Vera, também tem uma missão... mas bem diferente. 
"Tenho um segredo
Na escola, todos pensam que estou a sonhar
Mas eu sou um soldado em missão. Capitão Rosalie."

miolo de Capitão Rosalie, de Timothée de Fombelle e Isabelle Arsenaut 

Estamos em 1917. Rosalie, a narradora, é uma menina de cinco anos, que vive com a mãe porque o pai está na guerra.

"Não tenho qualquer memória para lá da guerra. Era muito pequenina antes de ela começar. E vejo bem que a minha mãe continua a ler ainda durante muito tempo, apesar de só haver uma única página escrita no envelope.”

Curiosa (e não convencida) sobre o conteúdo das cartas que a mãe lhe lê, Rosalie decide empreender a missão que a ajudará a descobrir a verdade por que tanto anseia.

"Olho de novo para o quadro. Pela primeira vez tudo se torna claro. Como se uma neblina se evaporasse subitamente das coisas. A minha missão está quase terminada. Não devo esperar mais.”

miolo de Capitão Rosalie, de Timothée de Fombelle e Isabelle Arsenaut 

Trata-se de um dos mais belos trabalhos que conhecemos dentro da temática bélica. Um texto forte, que não deixa nenhum leitor indiferente.

Entre palavras e olhares, desejamos a todos uns dias de descanso de muita cumplicidade (os livros dão uma ajuda).



A todos, boas leituras!

[LMB]