quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Vou para a escola: vou aprender a ler!

Esta é, sem dúvida, a resposta mais ouvida pelas crianças que se preparam para ingressar no 1º ciclo do ensino básico, quando questionadas sobre o que vão fazer na escola. Deixando para trás as salas de jardim de infância (ou as casas dos avós...), iniciam agora o seu percurso escolar formal.  

Os livros falam de tudo!
É importante que da biblioteca do pequeno leitor façam parte alguns clássicos,
que conviverão harmoniosamente com obras contemporâneas.



A criança tem, neste momento, grandes expectativas em relação à leitura. Aprender a ler vai dar-lhe acesso a um mundo novo: penetrar no universo das histórias, decifrar legendas de programas televisivos ou digitais, descobrir instruções de jogos, etc. 

Todavia, a aprendizagem formal da leitura é um processo longo (e nem sempre fácil). É frequente, nesta fase, que pais e professores se angustiem, e que a própria criança (cheia de expectativas)  se sinta, por vezes, dececionada.
Esta é, portanto, uma fase extremamente delicada, pois a obsessão pela aprendizagem da decifração (muitas vezes por parte dos adultos) pode comprometer seriamente a aprendizagem e o desenvolvimento do gosto pela leitura, e a consequente formação do leitor.

Partilhamos, neste sentido, duas ideias (muito fáceis de pôr em prática) que em muito poderão contribuir para tornar este momento mais tranquilo, e para fazer germinar e crescer as sementes do amor ao livro e à leitura.

A poesia deve continuar a fazer parte das leituras com a criança.
(Excerto de A Casa da Poesia, de José Jorge Letria e Rui Castro)




1. Continuar a ler, gratuitamente e diariamente, para as crianças.

É fundamental que pais e professores continuem a alimentar o gosto e o prazer de ler.
Pode, de facto, ser uma tentação deixar de ler à criança, sob pretexto de que "ela agora já sabe ler". Mas, na verdade, não sabe. Aprender a ler é um processo demorado que comporta a aprendizagem de todo um código e das suas diferentes combinações (a fase da decifração). Até que a criança domine esse código, de modo a poder ler com a velocidade suficiente que lhe permita compreender o que lê, decorrem vários meses, muitas vezes em número superior a um ano letivo. 

Se à criança que vinha habituada a ouvir ler, pela voz do educador no jardim de infância, ou dos pais na hora de deitar, tendo garantido o seu aporte diário de alimento do imaginário, lhe é retirado esse momento de graça, a imagem da leitura vai ficar reduzida a um amálgama de textos soltos do manual escolar, compostos intencionalmente para o ensino da decifração, aos quais falta um enredo, um fio narrativo sólido, uma alma. Se a par do ensino da decifração, deixarmos de ensinar o gosto, de juntar afeto, a leitura depressa se transformará numa atividade aborrecida e sem grande sentido.

Associar momentos lúdicos à leitura contribui para lhe conferir um
caráter divertido, para associar memórias positivas ao ato de ler.
Os livros-objeto são uma tendência da atual produção literária para a infância.


Continuar a ler para e com a criança depois da entrada no ensino formal, e ao longo de todo o percurso do 1º ciclo, é garantir que o imaginário e a enciclopédia literária do leitor em formação continuam a ser alimentados. E é também uma oportunidade única de estreitar laços afetivos.

Não podemos deixar de recordar, a este propósito, o célebre trabalho de Daniel Pennac Como um Romance, onde o autor, sem complacências, apresenta um retrato bastante fiel deste momento crítico:

"Que grande traição!
Ele, a leitura e nós próprios formávamos uma Trindade todas as noites reconciliada; agora, ele está sozinho perante um livro que lhe é hostil.
A leveza das nossas frases libertava-o do peso; agora, a indecifrável agitação das letras sufoca-o a tal ponto que até o impede de sonhar.
Nós tínhamo-lo iniciado na vertical; agora ele está esmagado pela imensidão do esforço. 
(...)
Éramos os contadores, passamos a ser os contabilistas."
Pennac, 2003: 48-50 [1ª ed. 1991]

 

Daniel Pennac: Como um Romance e Les droits du Lecteur. 
Altamente recomendado para mediadores de leitura, sobretudo nesta fase.

2. Selecionar bons livros

A produção literária para a infância oferece hoje um manancial de temas e de discursos muito variados. É importante que da biblioteca do pequeno leitor façam parte textos de qualidade, textos do património tradicional, textos de temáticas atuais, textos com "temas sérios", textos com humor, poesia, narrativa, álbuns e livros-objeto.
Alguns dos temas presentes na atual literatura para a infância já foram sendo tratados neste espaço, como por exemplo as representações da infância, dos avós, do ambiente, do verão, da arte, da interculturalidade, entre outros. 

É importante procurar versões fidedignas dos contos tradicionais.
O diálogo entre o texto verbal e as boas ilustrações convidam a leituras plurais.


Quanto mais diversificarmos a oferta e sairmos de lugares comuns (como livros inspirados em séries e programas de televisão, ou adaptações redutoras de alguns clássicos com ilustrações estereotipadas), mais enriquecida ficará a enciclopédia literária do pequeno leitor. Dizemos pequeno, convictos, porém, de que a boa literatura de potencial receção leitora infantil se destina a todas as idades, como temos vindo a confirmar, ano após ano, através do Programa ELF.

Acreditamos na bondade dos livros e no seu potencial transformador. Continuaremos, pois, a alimentar estas duas ideias para que a leitura tenha sempre, mas neste momento em particular, um lugar especial em cada lar. 


Incluir os chamados temas difíceis ou fraturantes na biblioteca do pequeno leitor
 contribui para fomentar a reflexão sobre as grandes questões da humanidade.


Ao longo dos próximos dias apresentaremos, na nossa página de facebook e no nosso Instagram, algumas sugestões de leituras a integrar a seleção Vou para a escola: vou aprender a LER!

Desejamos a todos um bom ano letivo!
[LMB]

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