sexta-feira, 2 de abril de 2021

Uma mão cheia de livros para uma Pedagogia da Felicidade | Especial Dia Internacional do Livro Infantil

Que ler traz benefícios ao nível do enriquecimento lexical, da correção ortográfica, do desenvolvimento da imaginação e do aumento da cultura geral, todos sabemos de cor e salteado. Não que todos tenhamos experimentado, mas porque sempre ouvimos dizer... E, se não lemos, ou não lemos mais, é porque "não temos tempo". 

(Alguém a quem este discurso não seja familiar?)

Está na hora de desmontar esta questão.

Seleção de obras para "Uma Pedagogia da Felicidade"

A julgar pelo decréscimo de hábitos de leitura entre os estudantes portugueses, de que nos dá conta o último estudo nesse âmbito, apresentado em setembro de 2020 (1), estas vantagens, socialmente aceites, em torno da leitura, não parecem ser muito convincentes. A verdade é que, não lhe sendo conhecidos benefícios imediatos (leva tempo até que a leitura produza aqueles efeitos), o hábito de ler não é lá muito atrativo. (Uma recompensa longínqua não é grande motivação). 

Ora, estas (conhecidas) vantagens da leitura não são mais do que os seus benefícios colaterais, ou efeitos secundários (bons). Quanto ao seu benefício principal (e mais imediato), parece que ninguém nos falou dele...

A leitura contribui para a nossa felicidade (imediata)!

O poema Felicíssima integra a obra As Fadas Verdes de Matilde Rosa Araújo

E é para que possamos experimentar este efeito, que hoje, dia internacional do Livro Infantil, trazemos uma mão cheia de livros (e mais um de bónus) que são um convite a sentir o tempo, a resgatar a beleza do que nos rodeia, e a abrir caminhos com o coração: para uma Pedagogia da Felicidade. 

"- Mica! Tanto sol pequenino nesta pedra

Cinzenta e escura... Mas tão linda!

Vou chegar fe-li-cís-si-ma ao meu celeiro!"

Este excerto, retirado do poema Felicíssima, de Matilde Rosa Araújo, cuja versão integral pode ser lida na imagem acima, empresta-nos o olhar da formiga para nos determos nas coisas belas. E, se até a formiga é capaz de interromper a sua lida para alimentar o coração de sol, nós também o seremos. Este texto de Matilde, que nas palavras de José A. Gomes, é uma fada "que parece ter nascido para dar graças por existir e por ter encontrado um mundo povoado de Amigos" (2), e cujo centenário de nascimento comemoramos este ano, contém o primeiro ingrediente para uma Pedagogia da Felicidade: contemplar o que é belo e deixar-se inundar de gratidão.

As mais belas coisas do mundo de Valter Hugo Mãe e A Girafa que comia estrelas de José Eduardo Agualusa

Talvez neste momento (nos) estejamos a perguntar "onde vamos arranjar tempo para isso...?" 

Talvez tenhamos encontrado uma resposta possível: A D. Margarida, uma galinha do mato que se tornou amiga de Olímpia, A Girafa que comia Estrelas, depois de muito viajar (pois esta galinha tinha feito ninho numa nuvem) partilha com a amiga as suas conclusões:

“«Os homens», contou ela a Olímpia depois de pensar muito, «os homens são animais estranhos: vivem empoleirados uns em cima dos outros em grandes galinheiros.
Estão sempre com pressa, correm o tempo todo, como formigas, de um lado para o outro, e acham que são felizes assim.»”

Uma mensagem de semelhante teor já nos tinha sido deixada pelo Caracol que vive na Mata dos Medos de Álvaro Magalhães, que todos os anos parte para ver o mar:(falamos dessa obra há um ano, AQUI

“«Vou ver o mar.»
«Outra vez?», perguntou a Toupeira. «Todos os anos partes para ver o mar e todos os anos voltas sem ver o mar.»
O Caracol parou de deslizar.

«E isso que interessa?», perguntou ele, irritado. «Faço sempre uma grande viagem, trago muito que contar. Se já tivesse visto o mar, não podia partir agora para ver o mar»” 

Abrandar e aproveitar cada momento desta jornada que é a nossa vida, talvez seja, então, o segundo ingrediente para uma Pedagogia da Felicidade.

Onde está a felicidade? é um texto que integra a obra O Senhor do seu Nariz e outros contos, de Álvaro Magalhães

E é também de Álvaro Magalhães (um fazedor de leitores), que nos chega o convite para refletirmos sobre as raízes do nosso contentamento. A história do Sr. Pascoal, que protagoniza o conto Onde está a felicidade?, que podemos ler na imagem acima, apresenta-nos aquele que podemos considerar o terceiro ingrediente para uma Pedagogia da Felicidade: na maioria das vezes, a solução para os nossos problemas e inquietações está dentro de nós, ou bem perto de nós. 

Quem também defende esta máxima é Babaï, o cordeirinho que, para combater a solidão das montanhas do Irão, decide fazer um jardim. Procura uma parcela de terra soalheira, próxima de uma nascente e planta O Jardim de Babaï... (mas como? onde vai o cordeirinho descobrir sementes, no meio do deserto?):

"Sementes!

Precisava de todas as espécies de sementes.

Com a passagem do tempo, das estações, o vento fora deixando muitas sementes no corpo coberto de lã de Babaï. Babaï recolheu-as do seu pêlo, uma a uma, com muita paciência e plantou-as delicadamente com as suas patinhas."

O Jardim de Babaï, de Mandana Sadat e Herberto, de Lara Hawthorne

E depois de sermos formigas ou caracóis, de viajarmos à boleia de uma nuvem, ou na mala do Sr. Pascoal, e de nos instalarmos a tomar um chá com um simpático cordeirinho, o que nos faltará ainda descobrir? Talvez aquilo que torna cada um de nós único e especial... 

É uma das lições de Herberto, a lesma que decidiu percorrer um caminho diferente do habitual, que o levou a travar conhecimento com as maravilhosas criações dos seus amigos (a aranha tecedeira, o escaravelho escultor, a formiga arquiteta, e a mariposa dançarina), e..., surpreendentemente, a descobrir que também ele tinha um talento que o tornava único!

Descobrir a diversidade, valorizando e apreciando aquilo que torna cada cada um de nós único e especial poderá ser, então, o quarto ingrediente para uma Pedagogia da Felicidade.

E, neste momento, talvez já estejamos familiarizados com a ideia de os livros também poderem contribuir para a nossa felicidade... 

No entanto, para que não restem dúvidas, a encerrar esta mão cheia de livros (e mais um de bónus), trazemos ainda mais uma achega: pedimo-la de empréstimo a Valter Hugo Mãe, que, num trabalho belíssimo, intitulado As mais belas coisas do mundo, nos deixa aquela que consideramos a quinta e última dica para uma Pedagogia da Felicidade: "A magia de estarmos vivos vem da possibilidade de fazermos acontecer."

"O meu avô sempre me dizia que a melhor parte da vida haveria de ser ainda um mistério e que o importante era viver procurando. 

Eu sei hoje que ele queria dizer que a cada um de nós cabe fazer um esforço para ser melhor, fazer melhor, cuidar melhor de nós próprios e dos outros. A cada um de nós cabe a obrigação de cuidar do mundo, porque o mundo é um condomínio enorme onde todos temos casa.

O meu avô queria dizer que não devemos ficar parados à espera de que algo aconteça. A magia de estarmos vivos vem da possibilidade de fazermos acontecer."


A felicidade pode até não nascer das árvores (embora lá possamos encontrar alguma - ou não fosse primavera!), e podemos achar que também não nasce dos livros... mas isso é só enquanto não nos deixarmos seduzir. Depois de experimentarmos as maravilhas que a leitura pode fazer pela nossa felicidade (e pela dos que nos rodeiam), não saberemos viver sem ela!

A todos, felizes leituras e feliz dia internacional do Livro Infantil!
  

(1) O estudo pode ser consultado AQUI 

(2) Dossiê Matilde Rosa Araújo (Casa da Leitura)

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