sexta-feira, 23 de abril de 2021

Primavera de Livros

Entre duas efemérides que nos são tão caras, o Dia da Terra, que comemoramos ontem, e o Dia do Livro, que comemoramos hoje, estas duas mãos cheias de livros são o nosso modo de prestar uma singela homenagem a estas duas Grandes Casas Comuns.


Selecionamos um conjunto de títulos que têm por base a temática das estações do ano.

São obras que nos convidam a (re)descobrir a essência, a abrandar, a aprender que tudo tem o seu ritmo e o seu tempo. Enquanto parte do mesmo cosmos, nós também somos seres de ciclos e de ritmos. Ritmos esses que parecem estar um pouco esquecidos, na verdade… 

Portanto, regressar às origens, através da literatura, poderá constituir um possível (e poderoso) meio de reflexão sobre o nosso lugar nesta Casa que é de Todos. 

Na imagem acima vemos quatro obras que fazem referência explícita, visível no título, às estações do ano. Curioso é o facto de começarem em diferentes estações, reforçando a ideia de ciclo e de uma visão circular do Universo

As Estações é uma edição da kalandraka datada de 2009, uma narrativa exclusivamente visual, sem texto, da autoria de Iela Mari (que foi originalmente publicado com o título A Árvore – pela editora Sá da Costa Infantil em 1973).

Esta narrativa começa no inverno, terminando na mesma estação, apresentando uma visão cíclica do tempo e da natureza. Apercebemo-nos das transformações na paisagem, ao longo das quatro estações, através da vida que acontece na árvore e em torno da árvore – debaixo da terra, à superfície, nos seus ramos…

Uma das duplas páginas dedicadas à estação da primavera na narrativa visual As Estações de Iela Mari

A Primavera é o Tempo a Crescer integra uma deliciosa coleção de quatro volumes, dedicada às quatro estações do ano, editada pela Sá da Costa Infantil, da autoria de Maria Isabel César Anjo e Maria Keil. Constitui um claro convite não só a redescobrir a natureza que se renova, mas também a estender o olhar sobre o Outro, como podemos ver, por exemplo, neste excerto 

“A primavera é o tempo bom dos meninos das barracas que tiveram muito frio no inverno”.

(Falamos de outras obras desta coleção AQUI, onde podem ser vistas as capas dos quatro pequenos volumes).

Capa e pormenor do miolo do livro de Maria Isabel César Anjo e Maria Keil.
 Em cima, à direita, excerto do texto A Floresta de Sophia de Mello Breyner, correspondente ao "passeio de Isabel pela  primavera".

A obra, cujo miolo apresentamos abaixo, é também da kalandraka, e tem como mote a peça musical de Vivaldi, 
As quatro estações. É da autoria de José Antonio Abad Varela e Emílio Urberuaga, e conta com a interpretação musical de Sara chang. Trata-se de um interessante diálogo entre a literatura e a música, do qual já falamos AQUIAQUI e AQUI.
Pelo olhar de um pequeno esquilo vermelho, percorremos, ao som de Vivaldi (pois são apresentadas sugestões dos andamentos que devem acompanhar a narrativa), as quatro estações, com algumas das suas mais emblemáticas características e acontecimentos que habitualmente lhes correspondem, como o acordar do urso na primavera, o calor abrasador e as sestas do verão, as vindimas e a caça no outono e o frio do rigoroso inverno. 
Nesta obra, dicotomias como nascimento e morte, alegria e tristeza… tornam naturais a sua presença ao longo da vida de cada ser, reforçando a questão dos ciclos e ritmos próprios da vida. A narrativa começa na primavera e termina no inverno, com esta sugestiva conclusão:

 “Foi então que começou a soprar o vento, acompanhado de água e neve que confirmava de novo a presença de um longo e frio inverno. Mas todos sabiam que a primavera acabaria sempre por voltar.”

Pormenor do miolo de As Quatro Estações (as duas primeiras duplas páginas - dedicadas à primavera).

Poemas para as quatro estações é uma coletânea de poesia da autoria de Manuela Leitão e Catarina Correia Marques, editada pela Máquina de Voar, em 2017. Trata-se de um livro muito bonito, com poemas para todas as estações e para todos os gostos. Já por cá passou, tendo dado corpo às Andorinhas, mensageiras de esperança, e tendo também integrado as Representações do verão na literatura infantojuvenil.

Aqui convivem animais, árvores, flores, frutos (muitos frutos!), mas também cá chegam outras vozes, como a de Sophia, por exemplo, no poema a menina de Sophia, e até alguns textos em jeito de receita, como “Edital para a hibernação”, “Receita para esperar o inverno”, ou ainda “Como fazer o melhor Castelo de Areia”. Escolhemos para partilhar, nesta primavera de livros, “Cerejas”, um poema da primavera: 

“Quando ela come cerejas, 

daquelas gordas, vermelhas. 

Põe sempre quatro ou cinco, 

como se fosse um brinco, 

a enfeitar as orelhas! 

(Eu sei, eu sei… A minha mãe às vezes parece uma criança!)”

Dois poemas da primavera, da obra Poemas para as quatro estações

Num registo diferente, O Livro dos Quintais, de Isabel Minhós Martins e Bernardo Carvalho, editado pela Planeta Tangerina em 2010, é uma viagem pelos 12 meses do ano, que tem como pano de fundo oito quintais, onde moram oito famílias diferentes, que o leitor acompanha nos seus mais distintos afazeres, ao ritmo das cores e da transformação da paisagem, ao mesmo tempo que tentamos localizar o "Gatuno" (um dos gatos que integrou a nossa seleção Aqui há gatos (literários) que miam em português).

Pormenor do miolo de O Livro dos Quintais: dupla página correspondente ao mês de março e à chegada da primavera.

Em língua inglesa, este livro pop-up intitulado Seasons é um autêntico hino à beleza de cada estação, recordando-nos que as estações continuam, efetivamente, a ser quatro, e não apenas duas, como por vezes, por descuido do olhar, somos tentados a acreditar...

Do pop-up Seasons, páginas dedicadas à primavera.

Neste segundo grupo de livros, cujas capas podemos ver na imagem abaixo, as estações do ano, a passagem do tempo e a visão de um universo circular são apresentadas a partir do ciclo de vida das sementes. 


Em Uma pequena Semente, um belíssimo livro-acordeão da autoria de Mar Benegas e Neus Caamaño, um trabalho de outubro 2020, da editora Akiara, acompanhamos, de um lado, a vida da semente enquanto semente (no interior da terra) e do outro, a sua vida, a partir do momento em que se tornou 

“um pequeno rebento que um dia, por fim, rasgou a terra e surgiu no mundo” 

até dos seus frutos cair nova semente e o ciclo recomeçar.


Nesta obra de Eric Carle, também de 2020, editada pela Kalandraka, A pequena Semente, o leitor é convidado a acompanhar a viagem de uma semente, desde o outono, momento em que se desprende da árvore, a conhecer as dificuldades por que passa até se tornar numa grande e exuberante planta, admirada por todos no verão, até à chegada, novamente, do outono, onde tudo passa e tudo recomeça. (Falamos desta obra AQUI).

Pormenor do interior do livro A pequena Semente, anunciando a chegada da primavera.

Podemos ver este mesmo ciclo na obra Começa numa semente, de Lara Knowles e Jennie Webber, de 2018, editada pela Fábula, à qual nos referimos em Dá Guarda(s) à Terra, no dia da Terra de 2020. 

Para além da delicadeza das ilustrações, de que é exemplo a imagem abaixo, apreciamos particularmente a página final, que se desdobra em quatro, apresentando de um lado a grandeza de algo que havia começado apenas numa semente, e, de outro, uma espécie de enciclopédia da árvore que o leitor acompanhou, com informação de caráter científico (estas páginas podem ser vistas AQUI).


Pormenor do interior do livro Começa numa Semente, correspondente à primavera.

Também da Planeta Tangerina, o livro de Isabel Minhós Martins e Yara Kono, de 2017, Cem sementes que voaram. Nesta obra destacamos a paciência e a sabedoria da árvore que viu partir as suas sementes e que soube ficar à espera, mesmo quando parecia que nenhuma tinha sobrevivido. E, na verdade, das cem sementes que voaram, apenas sobreviveram dez… uma opção que encerra, em nosso entender, uma mensagem profunda que em muito pode contribuir para uma maior compreensão e aceitação das leis do Universo. Também falamos desta obra AQUI.

Num tempo dominado pelo ecrã, pela velocidade, pela fragmentação de informação, e pela incerteza, estas leituras apresentam-se como um convite a abrandar, a refletir e a (re)descobrir a beleza e a grandeza do que nos rodeia. Como referiu Pedro Cerrillo, a boa literatura sempre nos ensina algo importante do mundo e da vida, com a sua capacidade de transformar o quotidiano em extraordinário e o estranho em familiar. E essa impressão de que ao ler aprendemos algo, sem saber muito bem o quê, a que se refere o mesmo autor, talvez seja afinal… a Felicidade.

Feliz dia mundial do Livro e felizes Leituras!

[LMB]

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