domingo, 31 de janeiro de 2021

Os Livros da Lua

A lua sempre exerceu um grande fascínio sobre os escritores em geral, e sobre os poetas em particular. Carregada de simbolismo, a lua marca presença num sem número de textos, do património popular à literatura mais erudita.  

De algum modo imbuídos pelo famoso luar de janeiro, fomos em busca da lua em algumas obras literárias destinadas especialmente à infância. E, tomando como mote o célebre provérbio, poderíamos atrever-nos a dizer que "Leituras de janeiro iluminam o ano inteiro". 

Convidamos os nossos leitores a percorrer um conjunto de oito obras, e a descobrir Os Livros da Lua (ou será a Lua dos Livros?)

Começamos pela poesia de João Pedro Mésseder, que dedica, no seu livrinho Canções do Ar e das coisas Altas, dois poemas à lua : "Lua" e "Lua quebrada". Decidimo-nos por partilhar o segundo.

"Lua quebrada

Dormindo
na noite sem nuvens
o lago é uma toalha de prata
onde a lua inteira se mira.

Mas se alguém
atira uma pedra
e a faz saltar nesse espelho
logo a lua se quebra."

(João Pedro Mésseder, 2018)

Este trabalho de João Pedro Mésseder, que conta com belíssimas ilustrações de Rachel Caiano, reúne um conjunto de 30 poemas, que, em nosso entender, bem poderia subintitular-se de achegas para elevar o espírito.


Ainda dentro do texto poético, não poderia faltar nesta seleção este maravilhoso trabalho de José Jorge Letria e André Letria, Versos para os pais lerem aos filhos em noites de luar, que é um genuino elogio à ternura, à descoberta, à imaginação, à palavra e à leitura.

"Com versos da cor da lua
és tão grande e pequenino
como esta página branca
em que leio o teu destino. (...)"

(José Jorge Letria, 2003)

É com estes versos que os autores abrem este delicioso álbum poético, composto por 27 pequenos textos e 27 grandes ilustrações, de onde espreitam muitos mundos, e para os quais são convocadas vozes diversas, incluindo as que habitam os mundos possíveis da literatura, como o Pinóquio ou a Alice.

"Cada palavra que aprendes
quando começas a ler
é o mundo a conversar
com quem o quer conhecer. (...)"

(José Jorge Letria, 2003)


Reeditada em 2020, pela Akiara books, chega-nos esta interessante obra assinada por Jordi Amenós e Albout Arrayás. Neste trabalho vemos revisitada a intrínseca necessidade que o ser humano tem de histórias, para explicar os diversos fenómenos do mundo e da vida. 
Pela mão da criança que protagoniza a narrativa, o leitor é convidado a percorrer as diferentes explicações que o círculo de amigos de Paulo lhe vai adiantando em relação à questão que dá título ao livro Onde está a lua? Um conjunto de explicações bem inusitadas!
E o mais curioso é o facto de, mesmo depois de explicado o mistério (pela professora), o Paulo e os colegas continuarem a preferir acreditar que "a lua era uma bola de futebol com sabor a baunilha, cheia de lâmpadas e muito, muito vaidosa."


A curiosidade em relação à lua, que inclui a vontade de lhe chegar e de a provar, marca presença em obras como Papá, por favor, apanha-me a Lua, do incontornável Eric Carle, e A que sabe a Lua? de Michael Grejniec. 
Ambos os trabalhos remetem para uma reflexão sobre a literatura enquanto lugar de concretização da utopia. 
No primeiro exemplo, o pai de Mónica, atendendo a um pedido da filha, vai buscar uma escada muito comprida, que encosta a uma montanha muito alta, para daí chegar à lua e trazê-la para Mónica brincar (mesmo tendo que esperar pelo tamanho certo da lua). Enriquecido com páginas que se desdobram, em diferentes direções, acompanhando o caminho do pai de Mónica para chegar à lua, este livro parece sugerir que a leitura extravasa o limite das próprias páginas.
No segundo exemplo, para além do princípio da entreajuda e do habitualmente subestimado valor dos mais fracos, recuperado de textos do património popular (como O Nabo Gigante ou O Coelhinho Branco), outras questões se levantam: atente-se, por exemplo, no facto de ser a tartaruga a tomar a iniciativa e a suportar o peso dos restantes animais; ou na participação ativa da lua que "entra no jogo" dos animais; ou ainda no olhar do peixe, que "tinha visto tudo sem entender nada"...


Movido pela curiosidade em relação ao sabor da lua, é também Xico, o rato que protagoniza a obra com o mesmo nome, um trabalho de Paula Carballeira e de Blanca Barrio. Tendo ouvido dizer que a lua era feita de queijo fresco, Xico, à boleia de uma nave espacial, chega à Lua... mas quando se decide a dar-lhe uma dentada, algo inesperado acontece, deixando o nosso Rato da Lua muito triste e com saudades da Terra, das montanhas, dos rios, das árvores e do vento, dos outros ratos e... até dos gatos! Ainda bem que a lua estava em quarto crescente, podendo assim embalar e consolar o Xico... 


E, se quem vai à lua fica com saudades da Terra, o contrário também pode acontecer: é o que nos conta Tomi Ungerer no trabalho que lhe valeu o prémio Hans Christian Andersen, em 1998, O Homem da Lua.
A história começa com o que poderíamos considerar mais uma resposta à tão popular e emblemática questão "o que se vê na lua?"

"Nas noites claras e estreladas, o Homem da Lua pode ser visto no espaço, encolhido no seu pequeno lugar cintilante."

O que o leitor talvez não espere é que o Homem da Lua tenha "inveja" das pessoas alegres que vê lá de cima, a dançar e a festejar. 
Um dia, à boleia de uma estrela cadente, o Homem da Lua chegou à Terra, não imaginando, porém, que iria provocar um tremendo alvoroço, só porque era um "misterioso visitante", ao qual decidiram chamar de "invasor". A estadia do Homem da Lua na Terra não foi, pois, nada do que ele havia imaginado (e visto lá de cima), e não fosse a sua natureza crescente e minguante, se calhar ainda hoje estaria atrás das grades, de onde se escapuliu, para grande espanto dos polícias. Depois de um conjunto de peripécias, contadas com o humor e a sátira tão característicos de Ungerer, o nosso herói consegue, enfim, regressar "a casa", onde o continuamos a ver em noites claras "encolhido no seu espaço cintilante."


A encerrar a nossa seleção de Livros da Lua, trazemos A Lua Ladra, uma obra com texto de Pablo Albo e com ilustrações do inconfundível Pierre Prat.
Se, por um lado, podemos considerar este trabalho um hino à imaginação, pela ampliação de possibilidades que oferece (talvez a Lua ainda não tenha entrado muitas vezes no rol de culpados do desparecimento das chupetas...), por outro lado parece encerrar uma subtil mensagem da criança para o adulto que teima em inventar "desculpas e mentiras" para responder a determinadas perguntas da criança.

"Um dia a minha chupeta desapareceu.
A mãe disse-me que a lua a tinha levado.
- Mentira! Como é que tu sabes? - perguntei-lhe eu.
- Porque ela não está a chorar - respondeu ela.
- Não, não é por isso."

A pequena narradora desta história bem sabe que não voltará a ter a sua chupeta, mas entra no jogo da lua (ou da mãe), para a tentar recuperar, decidindo (livremente), no final, que a lua precisa mais da chupeta do que ela.


Ficam, naturalmente, muitas obras de indiscutível valor fora desta seleção. Não cabem todas neste espaço. No entanto, é bem possível que voltemos à lua para folhear mais alguns dos seus livros.
Por agora, prometemos aos nossos leitores um divertido desafio. Acompanhem-nos, ao longo dos próximos dias, no nosso Facebook e no nosso Instagram, e participem no jogo "A que história pertenço?" Iremos partilhar alguns excertos destas oito obras, e pedir-vos que adivinhem a que livro pertencem. As pistas que aqui deixamos hoje podem ser uma preciosa ajuda...

Boas leituras e até já!

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