sexta-feira, 18 de junho de 2021

Leituras de ir à bola: Força Portugal!!

Não há assunto que não possa ser encontrado na literatura infantojuvenil. E o futebol não é exceção. 
Em jeito de apoio à Seleção Portuguesa de Futebol, aproveitamos a onda de entusiasmo que marca o Campeonato Europeu de Futebol, que está a decorrer, e apresentamos um conjunto de sugestões de leitura e de atividades (giras), em torno do Euro (e dos livros, claro), para realizar em contexto família, e não só, pois poderão também ser boas ideias para tornar inesquecíveis estas últimas semanas de aulas.
Esta seleção de livros reúne três GRANDES nomes da literatura portuguesa para a infância, José Jorge Letria, Matilde Rosa Araújo e António Torrado
Da sua vastíssima obra sobre os mais diversos temas (alguns dos quais já por nós tratados, AQUIAQUI, AQUIAQUI, AQUI e AQUI), escolhemos, de José Jorge Letria, duas divertidas obras, que são a prova de como a mestria e a arte no uso da palavra podem transformar qualquer assunto "banal" num extraordinário trabalho.   

Miolo da obra Os Cromos da Bola de José Jorge Letria e Afonso Cruz

Na sua obra Os Cromos da Bola, que conta com fabulosas ilustrações de Afonso Cruz, José Jorge Letria apresenta um conjunto de 18 poemas, que representam 18 "figuras emblemáticas" do futebol: o goleador, o guarda-redes, o defesa, o craque, o avançado, o treinador, o presidente do clube, o árbitro, o selecionador, o massagista, o treinador de bancada (que é o nosso preferido), o apanha-bolas, o jornalista desportivo, o sócio 999, o chefe da claque, a adepta frenética, o político da bola, e o empresário.
Através de divertidos jogos de linguagem, onde se mistura "a língua do futebol" com as mais variadas achegas a este desporto, dadas, muitas vezes, através de pormenores na ilustração, como podemos ver na imagem acima, os autores apresentam um trabalho cheio de cor e de humor.

Limitados a assistir aos jogos em casa, longe dos estádios, as "bancadas" ficaram despidas dos seus famosos "treinadores", que apenas podem exercer o seu ofício a partir do sofá. Não resistimos, por isso, a partilhar aqui um excerto do texto que lhes é dedicado, o treinador de bancada:

     De táticas sabe tudo
     mesmo sem ter feito o curso
     mas às vezes na bancada
     faz é figura de urso.

     Não consegue estar de acordo
     com o que pensa o treinador;
     se fosse ele a mandar
     a pontuação era melhor.

     É campeão dos palpites
     sem medo de se enganar
     e tem razões para isso
     pois nada tem a arriscar.
    (...)

Ideias para brincar a partir deste livro:

1. A partir dos títulos dos poemas, podem ser realizados originais Abecedários ou Dicionários do futebol, que podem ser enriquecidos com ilustrações ou colagens (os folhetos de supermercado trazem inúmeros motivos alusivos). Podem inspirar-se nos Abecedários Literários que partilhamos AQUI. 

Miolo da obra Histórias de ir à bola, de José Jorge Letria e Joana Quental

Oito contos curtos compõem a segunda sugestão de José Jorge Letria, Histórias de ir à bola, que conta com ilustrações de Joana Quental
Bem sugestivos, e cheios de intertextos, estes contos trazem novas possibilidades para o universo do futebol. Desde O árbitro que engoliu o apito (excerto na imagem abaixo), passando por De quem é a bola?, pelo Golo de Pélé (a história de uma mascote canina que acabará por ser o responsável pela subida do Chuteiras Futebol Clube à divisão nacional), por Anjos e Diabos (um conto com recado para os árbitros), pela Lição do Pombo Nicolau (que deixou um presente malcheiroso no boné do guarda-redes), por Meia bola e força, Bola só há uma (um conto com personagens inusitadas como Zé Maria Bonifrate), por Toca a ver os golos (excerto na imagem acima), até Águia, leão e dragão, que relata um divertido almoço de três animais do jardim zoológico, todos os contos se revelam uma grande surpresa. 

Miolo da obra Histórias de ir à bola, de José Jorge Letria e Joana Quental

Ideias para brincar a partir desta obra:

2. Ao jeito dos textos de José Jorge Letria, podem ser criados pequenos contos relacionados com o futebol, usando, contudo, elementos diferentes, como por exemplo um jogo de futebol protagonizado por animais de diferentes espécies, por personagens dos contos tradicionais, por alimentos, por objetos, onde cada um ocupa uma posição e assume uma função no campo. Será, certamente, uma experiência de escrita criadora bem divertida!



Não poderíamos deixar de incluir, nas nossas propostas de leitura, um texto de Matilde Rosa Araújo, cujo centenário de nascimento comemoramos este mês. Escolhemos dois poemas da obra Mistérios, ilustrada por Alice Jorge: A Laranja e Golo, que podem ser lidos na imagem acima. Escolhemos A Laranja por ser um fruto nosso, que também tem forma de bola, e que pode representar o nosso país / a nossa seleção. E Golo, porque sem golos não há futebol!
Estes poemas são, ainda, um bálsamo para a ansiedade típica dos campeonatos de futebol, pela calma que as suas palavras têm dentro, e encerram uma mensagem que bem poderíamos adotar para estes (e outros) momentos: "não há perder nem ganhar (...)".

Ideias para brincar apartir desta coletânea de poemas:

3. Partindo da Laranja como fruto tipicamente português, propomos uma volta ao euro em 24 frutos (para os mais corajosos), ou em 11 frutos (para os menos aventureiros), que representem os países (24) que participam no campeonato europeu, ou as cidades (11) onde decorrem os jogos. Outras variantes desta proposta, poderão passar por volta ao mundo em 24 (ou 11) receitas,  monumentos, danças, provérbios, formas de saudação, curiosidades, etc (a imaginação é o limite).


Miolo da obra O elefante não entra na jogada, de António Torradoe Zé Paulo

A encerrar as nossas sugestões de leituras de ir à bola, trazemos, também em jeito de homenagem a António Torrado, um grande nome da literatura infantojuvenil portuguesa, que nos deixou há uma semana, O elefante não entra na jogada, uma obra com ilustrações de Zé Paulo. 
Trata-se de uma narrativa muito bem construída, como o são todos os textos do autor, que começa assim:

"Era de azar. A menos de uma semana para o desafio, o jogo, o despique, o confronto, o duelo entre o Riscadinho Futebol Clube e os Soquetes de Alpercatas, futebolistas temíveis de além-além-além fronteiras, e o guarda-redes do Riscadinho a dizer que não arriscava.
- Não arrisco e não arrisco - gritava ele, todo despenteado, numa grande crise de nervos. (...)"

É a partir daqui que, mediante a necessidade de aranjar outro guarda-redes, a narrativa se desenrola num desfilar de potenciais "substitutos" bem inusitados, como podemos ver pelo excerto na imagem acima.

Ideias para brincar a partir desta narrativa:

4. Imaginar e construir equipas de "futebol de bairro", utilizando alcunhas. Representar essas equipas em campo, em desenho ou em maquete, ilustrando, por exemplo, ao jeito de Afonso Cruz (ver a obra Os Cromos da bola - acima).

(Falamos de António Torrado no nosso Calendário de Leituras de AdventoAQUI).

Créditos imagem: O Observador

Outras ideias para brincar ao Euro, a partir dos livros:

5. Elaborar o Bilhete de Identidade de cada país participante: capital, bandeira, língua... Nas nossas sugetões Livros que convidam a percorrer o mundo, podem encontrar ideias e informação complementar para esta sugestão.

6. Preencher um mapa da Europa com os países participantes (imagem abaixo) ou com as cidades onde se realizam os jogos do campeonato (imagem acima). Mapas da Europa para o efeito podem ser encontrados AQUI.

Créditos imagem: O Observador

7. Elaborar um álbum do Euro com recurso a recortes de notícias, a imagens, a excertos de entrevistas, a curiosidades...

8. Escrever o Diário do Euro ou apenas o Diário dos jogos de Portugal.



Aventurem-se e façam-nos chegar os vossos trabalhos, pois todos terão lugar por aqui. E, quem sabe... não terão ainda uma bela surpresa?
A todos desejamos boas leituras, e...
Força Portugal!
[LMB]




terça-feira, 1 de junho de 2021

Vamos brincar com livros? Desafio Especial Dia da Criança

Estamos de parabéns e queremos fazer a festa convosco!

Foi no Dia da Criança de 2020 que nasceu a página FB Educação Literária na Família. Faz hoje um ano, e, por isso, estamos de parabéns! E como nestas coisas dos livros e da leitura (como, aliás, em tudo na vida) quanto mais damos, mais recebemos (mede-se em sorrisos e em partilhas que nos enchem a alma), hoje estamos aqui para DAR!


A página FB Educação Literária na Família nasceu, neste dia emblemático, com o propósito de TORNAR A LEITURA UM VALOR DE FAMÍLIA.

Acreditamos genuinamente na bondade dos livros e no contributo da leitura para a felicidade de grandes e pequenos.

Primeira publicação na página FB Educação Literária na Família

E, porque "a família é um lugar insubstituível no paulatino processo de educação literária de cada jovem", como referiu o Doutor Cândido Oliveira Martins, precisamente há um ano, neste dia, continuaremos a privilegiar a família enquanto primeiro (e principal) mediador de leitura.



Comentário FB de 1 de junho 2020

Vamos, então, comemorar juntos, com este Desafio Especial Dia da Criança?
Ao longo do mês de junho, mês da criança, lançamos a pequenos e grandes leitores o desafio de transformar livros em jogos!

É simples: a partir de um livro (encontram muitas sugestões nesta página) propomos a construção de um jogo. Pode ser um jogo inspirado em alguns jogos clássicos, como o jogo do galo, da memória, da glória... ou outro tipo de jogo.


Conhecemos bem a criatividade dos nossos pequenos e grandes leitores, e, por isso não temos qualquer dúvida de que nos irão surpreender!
Todos os trabalhos serão divulgados e os três melhores serão premiados!

Vamos brincar? (Com livros, o sucesso é garantido!)

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Outra mão cheia de livros para uma Pedagogia da Felicidade

Apresentamos no passado dia internacional do livro infantil, um conjunto de livros que comprovavam o maior dos benefícios da leitura: ler contribui para a nossa felicidade (imediata)!

Ora, não fomos capazes de conter esta seleção na primeira mão cheia. Os livros que nos fazem felizes são tantos, que não resistimos a partilhar outros tantos.

(podem conhecer a primeira parte desta seleção AQUI)


Esta reflexão surge, como referimos quando apresentamos a primeira mão cheia de livros para uma Pedagoga da Felicidade, porque nos temos vindo a aperceber que os "conhecidos benefícios da leitura" não parecem ser convincentes o suficiente (como atesta o último estudo sobre os hábitos de leitura dos jovens estudantes).

E porque acreditamos que quantos mais adultos experimentarem e conhecerem o mais imediato efeito benéfico da leitura, maior presença os livros marcarão na vida das nossas famílias (pois ainda não encontramos quem não queira ser feliz). 

O segredo é conhecer, pois a estes livros ninguém fica indiferente, e a hora de partilhar uma leitura em família passará, então, a ser muito desejada, quer por grandes, quer por pequenos.

Pormenor do miolo de A maior Casa do Mundo, de Leo Lionni

Abrimos com A maior Casa do Mundo, um trabalho de Leo Lionni (2008), que integra uma história contada de pai para filho, dando-nos a conhecer a importância de compreendermos e aceitarmos as "leis" da mãe natureza. Confrontado com o desejo de o filho querer ter "a maior casa do mundo", o pai caracol conta uma história com o mesmo nome, onde a ambição desmedida e a ostentação acabam por custar a vida ao pequeno caracol. Confrontado com esta "lição", o caracol desta história parece compreender o quanto é afortunado por possuir uma casa tão pequena, e parte, então, para ver o mundo, descobrindo uma infinidade de maravilhas, como podemos ler no excerto da imagem acima.

Indutora de reflexões de ordem diversa, com lugar a diferentes pontos de vista,  esta é mais uma obra que não se esgota numa leitura, e que promete interessantes conversas. 
(Esta obra já deu origem a um interessante jogo da memória, construído por uma das nossas famílias ELF: AQUI).

Pormenor do miolo de Os Figos são para quem passa, de João Abreu e Bernardo Carvalho

Os figos são para quem passa, de João Abreu e Bernardo Carvalho (2016) é um livro percorrido por um conjunto de personagens animais que parece ter por missão ensinar ao Homem como viver em harmonia com a Natureza e com o Outro, respeitando, ainda, os ritmos de aprendizagem de cada um.

Na senda da história do caracolinho de Leo Lionni, o desprendimento afigura-se-nos, nesta obra, como um importante ingrediente para uma vida feliz. 
Estabelecendo uma espécie de analogia com o princípio dos tempos, “No princípio, o mundo era só um. Tudo era de todos, ninguém pertencia a nada, nada pertencia a ninguém” (Abreu e Carvalho), a narrativa vai deixando pistas ao leitor sobre o papel providencial da natureza: (excerto na imagem acima).

“Afinal, era exatamente por isso que os frutos não amadureciam todos ao mesmo tempo. As árvores, sábias e generosas, tinham sempre frutos maduros para quem passava. E quando não os tinham maduros, tinham-nos verdes, para quem passasse nos dias seguintes”. (Abreu e Carvalho)

O desequilíbrio desse “princípio” muda, porém, no dia em que o urso passa debaixo de uma figueira e decide esperar que um figo fique maduro, contrariando, desse modo, a regra do “princípio”. Os sacrifícios (e dissabores) que o urso passa para proteger um único figo (que afinal já era habitado por uma lagarta) provocam o questionamento do leitor, que se divide entre a defesa ou a condenação do urso. A solução é apresentada pela lagarta, o mais pequeno ser que percorre a obra, e que, numa atitude de altruísmo, de respeito para com o processo de crescimento do urso, e talvez também de homenagem à sua paciência, divide com ele o “seu” figo. 
Ao jeito dos contos do “princípio dos tempos”, esta narrativa também encerra com uma “lição”:

 “«Agora já percebi» disse o urso. «Há figos que são para quem passa...» «E há figos que são para quem espera» acrescentou a lagarta. «Pois é», disse o urso. «E esses são os melhores que há»” (Abreu e Carvalho).

Índice e pormenor do miolo de O Senhor Pina, de Álvaro Magalhães e Luiz Darocha

Pela pena de Álvaro Magalhães e Luiz Darocha (2013), numa originalíssima homenagem a Manuel António Pina, trazemos O Senhor Pina. Como podemos ver através do índice (imagem acima), esta obra, recheada de um humor subtil, característico da escrita de Álvaro Magalhães, é um hino à alegria de viver e à imaginação.

E quem nos traz um especial ingrediente para uma Pedagogia da Felicidade é o Ursinho Puff, amigo "inseparável" do Senhor Pina, que aguça o nosso olhar sobre a beleza de alguns momentos especiais (ainda que curtos) como por exemplo "o momento antes":

"Mas então?...
Então estava a saborear o momento antes. É quando ficamos contentes e nos apercebemos disso. Mas agora que me interrompeste, tenho de começar outra vez." (Magalhães e Darocha)
(excerto completo na imagem abaixo).

Excerto do capítulo Um Urso com poucos miolos, in O Senhor Pina, de Álvaro Magalhães e Luiz Darocha

Com fortes ecos de O Principezinho, este episódio irá, sem dúvida, despertar memórias e trazer para o presente muitos "momentos antes", que é como quem diz, muitos momentos felizes!

(Esta obra integrou a primeira edição do programa ELF. E uma das atividades mais apreciadas pelas famílias participantes foi a elaboração de um texto recorrendo apenas aos títulos do índice: fica a sugestão!)

Pormenor do miolo de Depois da Chuva, de Miguel Cerro

Prémio Internacional Compostela 2015, Depois da Chuva, de Miguel Cerro, é um álbum de uma beleza extraordinária! Com ecos de "fábula clássica", esta obra encerra uma poderosa mensagem de resiliência.
Depois de uma grande inundação, os animais são obrigados a refugiar-se numa gruta, no alto de uma colina. Cada um tem a sua tarefa... à exceção da raposa, a quem não é confiado nenhum trabalho. Aparentemente, todas as necessidades estão asseguradas... 

No entanto, a raposinha não desiste de dar o seu contributo para a vida naquela gruta, aonde não chegava a luz...

Pormenor do miolo de Depois da Chuva, de Miguel Cerro

Decidida a iluminar a gruta (e os seus moradores), a Raposinha, depois de derrotada na tentativa de agarrar as estrelas e a lua, descobre um grupo de pirilampos perdidos que mal conseguiam voar... e não hesita em salvá-los  (excerto da imagem acima). E, a partir dessa noite, nunca mais faltou a luz naquela gruta." (Cerro)
Uma obra que dará, certamente, muito que falar! 

E quanto à luz na gruta? Parece-nos ser como a leitura: ninguém tinha sentido falta dela até a experimentar, mas depois... nunca mais puderam viver sem ela.

Pormenores do miolo de O que vamos construir, de Oliver Jeffers

"Temos muito que fazer", diz Oliver Jeffers à sua filha Mari, na dedicatória de O que vamos Construir, Planos para um futuro comum. Este recente trabalho (2020), que o autor refere ter por objetivo "nivelar o terreno" (ao nível das desigualdades) segue a linha do trabalho anterior, que o autor dedicava ao filho, Aqui estamos nós, afigurando-se como uma espécie de manual para a vida. 
À luz de uma aparente simplicidade, nesta obra, Oliver Jeffers não se escusa a apresentar as grandes questões, ou as grandes dualidades da vida, assim como o que é verdadeiramente importante para o ser humano na sua essência, e nos seus direitos mais básicos: uma família, uma casa, e, sobretudo a sua grande necessidade de amar e de ser amado.

Página final de O que vamos construir, de Oliver Jeffers

Um livro ternurento, com vários níveis de leitura, ao qual adultos e crianças desejarão regressar (muitas vezes), como quem regressa a Casa.

A todos desejamos felizes leituras!
                                                          [LMB]

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Primavera de Livros

Entre duas efemérides que nos são tão caras, o Dia da Terra, que comemoramos ontem, e o Dia do Livro, que comemoramos hoje, estas duas mãos cheias de livros são o nosso modo de prestar uma singela homenagem a estas duas Grandes Casas Comuns.


Selecionamos um conjunto de títulos que têm por base a temática das estações do ano.

São obras que nos convidam a (re)descobrir a essência, a abrandar, a aprender que tudo tem o seu ritmo e o seu tempo. Enquanto parte do mesmo cosmos, nós também somos seres de ciclos e de ritmos. Ritmos esses que parecem estar um pouco esquecidos, na verdade… 

Portanto, regressar às origens, através da literatura, poderá constituir um possível (e poderoso) meio de reflexão sobre o nosso lugar nesta Casa que é de Todos. 

Na imagem acima vemos quatro obras que fazem referência explícita, visível no título, às estações do ano. Curioso é o facto de começarem em diferentes estações, reforçando a ideia de ciclo e de uma visão circular do Universo

As Estações é uma edição da kalandraka datada de 2009, uma narrativa exclusivamente visual, sem texto, da autoria de Iela Mari (que foi originalmente publicado com o título A Árvore – pela editora Sá da Costa Infantil em 1973).

Esta narrativa começa no inverno, terminando na mesma estação, apresentando uma visão cíclica do tempo e da natureza. Apercebemo-nos das transformações na paisagem, ao longo das quatro estações, através da vida que acontece na árvore e em torno da árvore – debaixo da terra, à superfície, nos seus ramos…

Uma das duplas páginas dedicadas à estação da primavera na narrativa visual As Estações de Iela Mari

A Primavera é o Tempo a Crescer integra uma deliciosa coleção de quatro volumes, dedicada às quatro estações do ano, editada pela Sá da Costa Infantil, da autoria de Maria Isabel César Anjo e Maria Keil. Constitui um claro convite não só a redescobrir a natureza que se renova, mas também a estender o olhar sobre o Outro, como podemos ver, por exemplo, neste excerto 

“A primavera é o tempo bom dos meninos das barracas que tiveram muito frio no inverno”.

(Falamos de outras obras desta coleção AQUI, onde podem ser vistas as capas dos quatro pequenos volumes).

Capa e pormenor do miolo do livro de Maria Isabel César Anjo e Maria Keil.
 Em cima, à direita, excerto do texto A Floresta de Sophia de Mello Breyner, correspondente ao "passeio de Isabel pela  primavera".

A obra, cujo miolo apresentamos abaixo, é também da kalandraka, e tem como mote a peça musical de Vivaldi, 
As quatro estações. É da autoria de José Antonio Abad Varela e Emílio Urberuaga, e conta com a interpretação musical de Sara chang. Trata-se de um interessante diálogo entre a literatura e a música, do qual já falamos AQUIAQUI e AQUI.
Pelo olhar de um pequeno esquilo vermelho, percorremos, ao som de Vivaldi (pois são apresentadas sugestões dos andamentos que devem acompanhar a narrativa), as quatro estações, com algumas das suas mais emblemáticas características e acontecimentos que habitualmente lhes correspondem, como o acordar do urso na primavera, o calor abrasador e as sestas do verão, as vindimas e a caça no outono e o frio do rigoroso inverno. 
Nesta obra, dicotomias como nascimento e morte, alegria e tristeza… tornam naturais a sua presença ao longo da vida de cada ser, reforçando a questão dos ciclos e ritmos próprios da vida. A narrativa começa na primavera e termina no inverno, com esta sugestiva conclusão:

 “Foi então que começou a soprar o vento, acompanhado de água e neve que confirmava de novo a presença de um longo e frio inverno. Mas todos sabiam que a primavera acabaria sempre por voltar.”

Pormenor do miolo de As Quatro Estações (as duas primeiras duplas páginas - dedicadas à primavera).

Poemas para as quatro estações é uma coletânea de poesia da autoria de Manuela Leitão e Catarina Correia Marques, editada pela Máquina de Voar, em 2017. Trata-se de um livro muito bonito, com poemas para todas as estações e para todos os gostos. Já por cá passou, tendo dado corpo às Andorinhas, mensageiras de esperança, e tendo também integrado as Representações do verão na literatura infantojuvenil.

Aqui convivem animais, árvores, flores, frutos (muitos frutos!), mas também cá chegam outras vozes, como a de Sophia, por exemplo, no poema a menina de Sophia, e até alguns textos em jeito de receita, como “Edital para a hibernação”, “Receita para esperar o inverno”, ou ainda “Como fazer o melhor Castelo de Areia”. Escolhemos para partilhar, nesta primavera de livros, “Cerejas”, um poema da primavera: 

“Quando ela come cerejas, 

daquelas gordas, vermelhas. 

Põe sempre quatro ou cinco, 

como se fosse um brinco, 

a enfeitar as orelhas! 

(Eu sei, eu sei… A minha mãe às vezes parece uma criança!)”

Dois poemas da primavera, da obra Poemas para as quatro estações

Num registo diferente, O Livro dos Quintais, de Isabel Minhós Martins e Bernardo Carvalho, editado pela Planeta Tangerina em 2010, é uma viagem pelos 12 meses do ano, que tem como pano de fundo oito quintais, onde moram oito famílias diferentes, que o leitor acompanha nos seus mais distintos afazeres, ao ritmo das cores e da transformação da paisagem, ao mesmo tempo que tentamos localizar o "Gatuno" (um dos gatos que integrou a nossa seleção Aqui há gatos (literários) que miam em português).

Pormenor do miolo de O Livro dos Quintais: dupla página correspondente ao mês de março e à chegada da primavera.

Em língua inglesa, este livro pop-up intitulado Seasons é um autêntico hino à beleza de cada estação, recordando-nos que as estações continuam, efetivamente, a ser quatro, e não apenas duas, como por vezes, por descuido do olhar, somos tentados a acreditar...

Do pop-up Seasons, páginas dedicadas à primavera.

Neste segundo grupo de livros, cujas capas podemos ver na imagem abaixo, as estações do ano, a passagem do tempo e a visão de um universo circular são apresentadas a partir do ciclo de vida das sementes. 


Em Uma pequena Semente, um belíssimo livro-acordeão da autoria de Mar Benegas e Neus Caamaño, um trabalho de outubro 2020, da editora Akiara, acompanhamos, de um lado, a vida da semente enquanto semente (no interior da terra) e do outro, a sua vida, a partir do momento em que se tornou 

“um pequeno rebento que um dia, por fim, rasgou a terra e surgiu no mundo” 

até dos seus frutos cair nova semente e o ciclo recomeçar.


Nesta obra de Eric Carle, também de 2020, editada pela Kalandraka, A pequena Semente, o leitor é convidado a acompanhar a viagem de uma semente, desde o outono, momento em que se desprende da árvore, a conhecer as dificuldades por que passa até se tornar numa grande e exuberante planta, admirada por todos no verão, até à chegada, novamente, do outono, onde tudo passa e tudo recomeça. (Falamos desta obra AQUI).

Pormenor do interior do livro A pequena Semente, anunciando a chegada da primavera.

Podemos ver este mesmo ciclo na obra Começa numa semente, de Lara Knowles e Jennie Webber, de 2018, editada pela Fábula, à qual nos referimos em Dá Guarda(s) à Terra, no dia da Terra de 2020. 

Para além da delicadeza das ilustrações, de que é exemplo a imagem abaixo, apreciamos particularmente a página final, que se desdobra em quatro, apresentando de um lado a grandeza de algo que havia começado apenas numa semente, e, de outro, uma espécie de enciclopédia da árvore que o leitor acompanhou, com informação de caráter científico (estas páginas podem ser vistas AQUI).


Pormenor do interior do livro Começa numa Semente, correspondente à primavera.

Também da Planeta Tangerina, o livro de Isabel Minhós Martins e Yara Kono, de 2017, Cem sementes que voaram. Nesta obra destacamos a paciência e a sabedoria da árvore que viu partir as suas sementes e que soube ficar à espera, mesmo quando parecia que nenhuma tinha sobrevivido. E, na verdade, das cem sementes que voaram, apenas sobreviveram dez… uma opção que encerra, em nosso entender, uma mensagem profunda que em muito pode contribuir para uma maior compreensão e aceitação das leis do Universo. Também falamos desta obra AQUI.

Num tempo dominado pelo ecrã, pela velocidade, pela fragmentação de informação, e pela incerteza, estas leituras apresentam-se como um convite a abrandar, a refletir e a (re)descobrir a beleza e a grandeza do que nos rodeia. Como referiu Pedro Cerrillo, a boa literatura sempre nos ensina algo importante do mundo e da vida, com a sua capacidade de transformar o quotidiano em extraordinário e o estranho em familiar. E essa impressão de que ao ler aprendemos algo, sem saber muito bem o quê, a que se refere o mesmo autor, talvez seja afinal… a Felicidade.

Feliz dia mundial do Livro e felizes Leituras!

[LMB]

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Uma mão cheia de livros para uma Pedagogia da Felicidade | Especial Dia Internacional do Livro Infantil

Que ler traz benefícios ao nível do enriquecimento lexical, da correção ortográfica, do desenvolvimento da imaginação e do aumento da cultura geral, todos sabemos de cor e salteado. Não que todos tenhamos experimentado, mas porque sempre ouvimos dizer... E, se não lemos, ou não lemos mais, é porque "não temos tempo". 

(Alguém a quem este discurso não seja familiar?)

Está na hora de desmontar esta questão.

Seleção de obras para "Uma Pedagogia da Felicidade"

A julgar pelo decréscimo de hábitos de leitura entre os estudantes portugueses, de que nos dá conta o último estudo nesse âmbito, apresentado em setembro de 2020 (1), estas vantagens, socialmente aceites, em torno da leitura, não parecem ser muito convincentes. A verdade é que, não lhe sendo conhecidos benefícios imediatos (leva tempo até que a leitura produza aqueles efeitos), o hábito de ler não é lá muito atrativo. (Uma recompensa longínqua não é grande motivação). 

Ora, estas (conhecidas) vantagens da leitura não são mais do que os seus benefícios colaterais, ou efeitos secundários (bons). Quanto ao seu benefício principal (e mais imediato), parece que ninguém nos falou dele...

A leitura contribui para a nossa felicidade (imediata)!

O poema Felicíssima integra a obra As Fadas Verdes de Matilde Rosa Araújo

E é para que possamos experimentar este efeito, que hoje, dia internacional do Livro Infantil, trazemos uma mão cheia de livros (e mais um de bónus) que são um convite a sentir o tempo, a resgatar a beleza do que nos rodeia, e a abrir caminhos com o coração: para uma Pedagogia da Felicidade. 

"- Mica! Tanto sol pequenino nesta pedra

Cinzenta e escura... Mas tão linda!

Vou chegar fe-li-cís-si-ma ao meu celeiro!"

Este excerto, retirado do poema Felicíssima, de Matilde Rosa Araújo, cuja versão integral pode ser lida na imagem acima, empresta-nos o olhar da formiga para nos determos nas coisas belas. E, se até a formiga é capaz de interromper a sua lida para alimentar o coração de sol, nós também o seremos. Este texto de Matilde, que nas palavras de José A. Gomes, é uma fada "que parece ter nascido para dar graças por existir e por ter encontrado um mundo povoado de Amigos" (2), e cujo centenário de nascimento comemoramos este ano, contém o primeiro ingrediente para uma Pedagogia da Felicidade: contemplar o que é belo e deixar-se inundar de gratidão.

As mais belas coisas do mundo de Valter Hugo Mãe e A Girafa que comia estrelas de José Eduardo Agualusa

Talvez neste momento (nos) estejamos a perguntar "onde vamos arranjar tempo para isso...?" 

Talvez tenhamos encontrado uma resposta possível: A D. Margarida, uma galinha do mato que se tornou amiga de Olímpia, A Girafa que comia Estrelas, depois de muito viajar (pois esta galinha tinha feito ninho numa nuvem) partilha com a amiga as suas conclusões:

“«Os homens», contou ela a Olímpia depois de pensar muito, «os homens são animais estranhos: vivem empoleirados uns em cima dos outros em grandes galinheiros.
Estão sempre com pressa, correm o tempo todo, como formigas, de um lado para o outro, e acham que são felizes assim.»”

Uma mensagem de semelhante teor já nos tinha sido deixada pelo Caracol que vive na Mata dos Medos de Álvaro Magalhães, que todos os anos parte para ver o mar:(falamos dessa obra há um ano, AQUI

“«Vou ver o mar.»
«Outra vez?», perguntou a Toupeira. «Todos os anos partes para ver o mar e todos os anos voltas sem ver o mar.»
O Caracol parou de deslizar.

«E isso que interessa?», perguntou ele, irritado. «Faço sempre uma grande viagem, trago muito que contar. Se já tivesse visto o mar, não podia partir agora para ver o mar»” 

Abrandar e aproveitar cada momento desta jornada que é a nossa vida, talvez seja, então, o segundo ingrediente para uma Pedagogia da Felicidade.

Onde está a felicidade? é um texto que integra a obra O Senhor do seu Nariz e outros contos, de Álvaro Magalhães

E é também de Álvaro Magalhães (um fazedor de leitores), que nos chega o convite para refletirmos sobre as raízes do nosso contentamento. A história do Sr. Pascoal, que protagoniza o conto Onde está a felicidade?, que podemos ler na imagem acima, apresenta-nos aquele que podemos considerar o terceiro ingrediente para uma Pedagogia da Felicidade: na maioria das vezes, a solução para os nossos problemas e inquietações está dentro de nós, ou bem perto de nós. 

Quem também defende esta máxima é Babaï, o cordeirinho que, para combater a solidão das montanhas do Irão, decide fazer um jardim. Procura uma parcela de terra soalheira, próxima de uma nascente e planta O Jardim de Babaï... (mas como? onde vai o cordeirinho descobrir sementes, no meio do deserto?):

"Sementes!

Precisava de todas as espécies de sementes.

Com a passagem do tempo, das estações, o vento fora deixando muitas sementes no corpo coberto de lã de Babaï. Babaï recolheu-as do seu pêlo, uma a uma, com muita paciência e plantou-as delicadamente com as suas patinhas."

O Jardim de Babaï, de Mandana Sadat e Herberto, de Lara Hawthorne

E depois de sermos formigas ou caracóis, de viajarmos à boleia de uma nuvem, ou na mala do Sr. Pascoal, e de nos instalarmos a tomar um chá com um simpático cordeirinho, o que nos faltará ainda descobrir? Talvez aquilo que torna cada um de nós único e especial... 

É uma das lições de Herberto, a lesma que decidiu percorrer um caminho diferente do habitual, que o levou a travar conhecimento com as maravilhosas criações dos seus amigos (a aranha tecedeira, o escaravelho escultor, a formiga arquiteta, e a mariposa dançarina), e..., surpreendentemente, a descobrir que também ele tinha um talento que o tornava único!

Descobrir a diversidade, valorizando e apreciando aquilo que torna cada cada um de nós único e especial poderá ser, então, o quarto ingrediente para uma Pedagogia da Felicidade.

E, neste momento, talvez já estejamos familiarizados com a ideia de os livros também poderem contribuir para a nossa felicidade... 

No entanto, para que não restem dúvidas, a encerrar esta mão cheia de livros (e mais um de bónus), trazemos ainda mais uma achega: pedimo-la de empréstimo a Valter Hugo Mãe, que, num trabalho belíssimo, intitulado As mais belas coisas do mundo, nos deixa aquela que consideramos a quinta e última dica para uma Pedagogia da Felicidade: "A magia de estarmos vivos vem da possibilidade de fazermos acontecer."

"O meu avô sempre me dizia que a melhor parte da vida haveria de ser ainda um mistério e que o importante era viver procurando. 

Eu sei hoje que ele queria dizer que a cada um de nós cabe fazer um esforço para ser melhor, fazer melhor, cuidar melhor de nós próprios e dos outros. A cada um de nós cabe a obrigação de cuidar do mundo, porque o mundo é um condomínio enorme onde todos temos casa.

O meu avô queria dizer que não devemos ficar parados à espera de que algo aconteça. A magia de estarmos vivos vem da possibilidade de fazermos acontecer."


A felicidade pode até não nascer das árvores (embora lá possamos encontrar alguma - ou não fosse primavera!), e podemos achar que também não nasce dos livros... mas isso é só enquanto não nos deixarmos seduzir. Depois de experimentarmos as maravilhas que a leitura pode fazer pela nossa felicidade (e pela dos que nos rodeiam), não saberemos viver sem ela!

A todos, felizes leituras e feliz dia internacional do Livro Infantil!
  

(1) O estudo pode ser consultado AQUI 

(2) Dossiê Matilde Rosa Araújo (Casa da Leitura)